"(...) os velhos lacadores da China têm mãos vermelhas nos seus juncos de madeira preta; e as grandes barcas da Holanda perfumam-se de girassol.”
(Saint-John Perse)
sexta-feira, abril 29, 2005
Mudez
O velho ancião devia ter deixado o conselho, para juntar àquele seu adagiário particular: devemos dar tanta atenção às conversas dos taxistas, aos descontos dos caixeiros viajantes, às revelações dos pregadores religiosos como a um ruidoso rádio de taberna, à voz de barítono de qualquer ébrio, a um tumultuoso altifalante de feira, a uma entusiasmada arenga de comício.
quinta-feira, abril 28, 2005
Geometrias
Aquela pomba, num voo bastante insensato, descreveu um arco perfeito no nariz do veloz autocarro.
domingo, abril 24, 2005
sábado, abril 23, 2005
sexta-feira, abril 22, 2005
Miragem
Asas de pássaros sobrevoam a profana cúpula envidraçada. Como se fossem querubins a pairar sobre o zimbório de catedral...
quinta-feira, abril 21, 2005
quarta-feira, abril 20, 2005
terça-feira, abril 19, 2005
Destinos
Os passos ainda não dados toldam-nos a razão, inventando mapas e bússolas, em que a agulha magnética tanto aponta para o Hermitage como para o Taj Mahal e a escala cartográfica aumenta o tango em El Viejo Almacén ou a estrada para o templo de Carnac...
Afinal, também nunca leremos todos os livros indispensáveis.
Afinal, também nunca leremos todos os livros indispensáveis.
segunda-feira, abril 18, 2005
In-folios
"O seu interior mal iluminado, escuro e solene estava impregnado de um forte cheiro a laca, de cores, incenso, aromas de terras distantes, mercadorias raras. Lá se encontravam fogos-de-bengala, caixas mágicas, selos de países que já não existiam há muito tempo, estampas chinesas, anil, colofónia de Malabar, ovos de aves exóticas, papagaios e tucanos, salamandras e basiliscos, raízes de mandrágora, caixas de música de Nuremberga, homúnculos dentro de garrafas, microscópios e óculos, sobretudo livros raros e muito especiais, velhos in-folios cheios de gravuras maravilhosas e fascinantes histórias."
(Bruno Schulz)
(Bruno Schulz)
Contas
Do ábaco ao computador, do sestércio ao cêntimo, o acto de contar moedas altera sempre a expressão de quem o faz: um sorriso nos Patinhas e Rockefellers; a angústia de um personagem de Sttau Monteiro; lágrimas secas no rosto de quem não conhece notas de valor nem natas em creme!
sexta-feira, abril 08, 2005
Pulipa
Na risonha pupila de um bebé reflecte-se um passeio inteiro: pérolas de montra, pechisbeque em caracteres chineses, jornais no escaparate, estendal de fruta, bata d'escola, nódoa em fato macaco, decotes de lantejoulas, crucifixos no interregno papal, lentes escuras contra o sol, adiposidades que a moda salienta, árvores pouco frondosas, penas de pomba, cartazes de procissão, folhetos de rave, paredes que dão dinheiro, varandas rendilhadas, tabiques d'obras, fumos d'escapes, perfumes almiscarados, odor a café moído, lixo que ofende narinas, nacos de conversas ocas, gargalhadas estrídulas, Vivaldi em versão telemóvel, as raras elegâncias, os imensos ridículos.
Um dia, pupila mais crescida, pode ler tudo sobre estes tempos nas páginas do Lobo Antunes...
Um dia, pupila mais crescida, pode ler tudo sobre estes tempos nas páginas do Lobo Antunes...
terça-feira, abril 05, 2005
Ampulhetas
Escoa-se a areia, esvai-se o tempo, esgota-se a paciência, estiolam as ideias, estremece o coração, empalidece a beleza...
A ampulheta é carrasca da juventude!
A ampulheta é carrasca da juventude!
segunda-feira, abril 04, 2005
Diásporas
As palavras que ecoam eternamente nos búzios – quais metafóricas campânulas das grafonolas da memória ou veros auscultadores deste tempo cibernético – são vozes herdeiras de avoengos. Dos que zarparam em orgulhosas nozes com velas benzidas para conquistar mapas ignorados; dos que embarcaram em paquetes que distinguiam os beliches com piolhos das camas para violinos.
sexta-feira, abril 01, 2005
Bruscamente
Mãos bruscas no folhear desfazem, num ápice, a frágil arquitectura de papel em que se ergue diariamente um jornal. Esses dedos desajeitados saberão cuidar de pétalas de malmequer, afagar o fugaz sorriso de bebé ou relacionar-se com qualquer outra metáfora de porcelana?