terça-feira, dezembro 27, 2005
Oscilações
Uma singela lágrima celeste fez estremecer toda a renda solarenga que se foi tricotando nos vagares da manhã.
segunda-feira, dezembro 26, 2005
sexta-feira, dezembro 23, 2005
Maldita Surdez
Um clamor de timbres e um coro de gargalhadas adubam a conversa com uma boca cheia de nadas.
quinta-feira, dezembro 22, 2005
In Sónias
No meio do furacão das ondas de lençol e dos disparos de canhões de comprimidos, o sonhador furou a tormenta daquela noite de pesadelos, sempre com a mente na sua Dulcineia, que, neste nosso tempo, responde pela graça de Vanda ou Sónia.
quarta-feira, dezembro 21, 2005
Micro-urbanismo
A paisagem está repleta de papéis com lantejoulas, fitas escarlates, laços com poalha d’oiro...
segunda-feira, dezembro 12, 2005
sábado, dezembro 03, 2005
Adornos Naturais
A noite precavida, de gorro bem enfiado, sem saber como, ficou com duas gotas penduradas nas orelhas à laia de brincos....
sexta-feira, dezembro 02, 2005
Catálogo de Partidas
Partir pedra à picareta, partir a cabeça com uma charada, partir de barco em viagem....
quinta-feira, dezembro 01, 2005
Zombeteiro Calendário
Manhãs de geada, tardes torradas, sardinhas gordas, suínos esventrados, marés risonhas, neves eternas, filas d’impostos, ordenado dobrado, terças mascaradas, dias de chorar finados, quaresmas e ramadões, flores que amarelam, folhas que acastanham, óculos escuros esquecidos, gabardinas naftalinadas, efemérides a respeitar, santos feriados, mês das cerejas, época das vindimas,natais de cada um, sacramentos por convite, gotas de suor, bátegas de chuva...
quarta-feira, novembro 30, 2005
terça-feira, novembro 29, 2005
Gente d’Outrora
Arrimou o juízo à bengala, retirou o boné das memórias e encomendou um almoço à moda antiga.
segunda-feira, novembro 28, 2005
sexta-feira, novembro 25, 2005
Janelas de Desejo
Casario arco-íris, velas ébrias, gargalhadas canoras, escamas prateadas, nacos de memórias, reflexos d’oiro, esboços de sonhos – afastar a cortina e mirar o rio...
quinta-feira, novembro 24, 2005
quarta-feira, novembro 23, 2005
domingo, novembro 20, 2005
sábado, novembro 19, 2005
quarta-feira, novembro 16, 2005
Crono-Fobia
Temendo a fuga das horas, levava sempre um relógio de parede incrustado na mala de viagem.
terça-feira, novembro 15, 2005
segunda-feira, novembro 14, 2005
Exagero Publicitário
A negra silhueta do touro recortada contra as nuvens da paisagem não era prenúncio de qualquer tauromaquia celestial....
sexta-feira, novembro 11, 2005
Sem Asas
Um cisne iluminado na parede, uma dúvida que pousa no espírito, um bule de porcelana quebrado. Em suma: uma trindade kitsch.
quinta-feira, novembro 10, 2005
Folha Vazia
Uma moeda sem cara, uma lâmpada fundida, um rasgão em forma de roupa, uma voz sem palavras, uma caneta de tinta branca – eis um ténue fio de nada.
quarta-feira, novembro 09, 2005
Gente Colorida
Um grão de canela na pele, um tom de palha no cabelo, um morango nos lábios... A beleza – como a inteligência! – ignora os conceitos de raça e de bandeira.
domingo, novembro 06, 2005
Surdos Funcionais
O cachimbo a fumegar ideias inteligentes encharcou o salão de palavras sábias. Mas o ronronar pesado das conversas miúdas inundou quase todos os tímpanos com a cera própria deste tempo.
sábado, novembro 05, 2005
Torre de Controlo
Um olhar com asas, um jacto de luz, um pavão de pedra – e um manto de nevoeiro a cobrir o aeroporto...
sexta-feira, novembro 04, 2005
Almas Inquietas
Um reflexo de prata, uma nódoa de café, um pingo de tinta – há sempre qualquer coisa a manchar a alvura do dia.
quinta-feira, novembro 03, 2005
Binóculos de Camarote
Uma vez por outra, nem que seja por engano, apetece mirar o longe e ver o horizonte com um qualquer rasgão divertido.
quarta-feira, novembro 02, 2005
terça-feira, novembro 01, 2005
Extravagante Coleccionismo
Com tantos cromos despreocupados a passear nas ruas e nos becos e nas praças só falta mesmo aparecer por aí o meticuloso dono da caderneta.
segunda-feira, outubro 31, 2005
Inútil Kant
Uma angústia de caracóis minúsculos, que se exprime num sorriso de anjo barroco ou em lágrima gorda como pérola, depressa extermina argumentos cartesianos, razões kantianas, certezas saloias.
sexta-feira, outubro 28, 2005
quinta-feira, outubro 27, 2005
Saídas da Ostra
Smokings à antiga, bustos balzaquianos, silêncio de calar mosca atrevida. De súbito, como se um granizo nas vidraças apagasse os chopins de salão, a pianista interrompeu o recital. As jovens pérolas, que fugiram do colar, saltitavam agora pelo marfim das teclas.
quarta-feira, outubro 26, 2005
Época das Gotas
Em plena cavalgada de nuvens pardas, plúmbeas, pretas alguém deixou cair uma ingénua gota de verde...
domingo, outubro 23, 2005
Manias Avulsas
Aspergia a mesa com gotas de champanhe antes de estender a toalha, como se a baptizasse para cada banquete.
sábado, outubro 22, 2005
Fiat Lux
Clarificaram a copa das árvores ao correr da noite, indiferentes à luz do sorriso de todos os palhaços divinos.
Fiat Lux
Clarificaram a copa das árvores ao correr da noite, indiferentes à luz do sorriso de todos os palhaços divinos.
sexta-feira, outubro 21, 2005
Centro de Mesa
Plantaram uma cerejeira no centro de uma mesa de jantar para, na estação propícia, poderem trautear Le Temps des Cerises...
terça-feira, outubro 18, 2005
Cefaleia Comum
Leões que cospem pragas aziagas como se fossem vulgares jactos de água, girassóis que espetam lapelas para machucar a alma, palavras sem dicionário que nos comem a orelha. Em suma: uma trovoada na testa.
segunda-feira, outubro 17, 2005
Fruta d’Época
Enviaram-me uma romã para o telemóvel. Mas não posso provar essa metáfora outonal. Só aprendi a trincar, entre duas chamadas, fruta às fatias, aos gomos, às talhadas.
sexta-feira, outubro 14, 2005
Olhos Sedentários
Quando aquela pestana abandonou a pupila para se lançar numa viagem solitária pelos caminhos da Mancha nunca imaginou os riscos que corria: uma repentina rajada de vento era bem capaz de a atirar até Ítaca; um traiçoeiro jacto de mangueira era suficiente para a fazer mergulhar em busca da Atlântida.
quinta-feira, outubro 13, 2005
Anatomias Musicais
Uma linha de sax tão pouco ondulada como uns seios de escultura pequena, um coro de sorrisos que segue as notas saltitantes de uma pauta alegre, uma colecção de andares que se movem com a convicção do piano bem martelado. Surgirá daí alguma melopeia que mereça girar em forma de CD?
quarta-feira, outubro 12, 2005
Breton-adas
Uma catedral adornada com pérolas salgadas, um mar de caracóis femininos a perturbar o sossego das sereias e uma floresta de árvores com peixes-folhas – como se toda a frase se pudesse escrever numa singela escama de prata.
sábado, outubro 08, 2005
sexta-feira, outubro 07, 2005
Fragrâncias Nocturnas
Uma brisa de cannabis perfumava a praça feita de piercings decotados e de tattoos musculosos.
quarta-feira, outubro 05, 2005
Tricolor
Um telhario vermelho, um esverdeado de ramos e, depois, um azul marinho. A multidão de gaivotas, pousada diante da linha de espuma, parece aguardar um certo cargueiro ou um qualquer paquete.
domingo, outubro 02, 2005
sábado, outubro 01, 2005
Saudades de Sonhar
Por vezes, os lençóis assentam tão levemente sobre a brevidade do sono que quase nem se sente o cheiro da almofada.
sexta-feira, setembro 30, 2005
Tinta Mágica
O aparo, ao comandar o pulso, esboça barbatanas de peixes que mais parecem pássaros, rostos com fechaduras de porta, nacos de cidade que até espantariam Calvino.
quinta-feira, setembro 29, 2005
Intranquilidades
Nervos eriçados, como se fossem músculos de gato, escrevem o quotidiano numa caligrafia tão pouco firme que até parece saída dos distantes bancos d’escola.
quarta-feira, setembro 28, 2005
Era Uma Vez
Umas abelhas búlgaras, que recusavam debruçar-se sobre os tabuleiros dos xadrezistas de jardim, zumbiam em cirílico por cima do almoço.
Pinturas Anónimas
Riscaram o céu com branco de nuvens – o mesmo tipo de gesto com que se pintam laranjas nas árvores do pomar.
domingo, setembro 25, 2005
Manias de Biblioteca
“Passo pelos longos corredores, de cima a baixo os livros nos seus túmulos. São milénios de balbúrdia, tagarelice infindável, filósofos, investigadores, poetas, doutores da Igreja, moralistas, juristas, políticos, algaraviada infernal, interminável algazarra através das eras – estão imóveis nos seus túmulos irrisórios.”
(Vergílio Ferreira)
(Vergílio Ferreira)
sábado, setembro 24, 2005
sexta-feira, setembro 23, 2005
quinta-feira, setembro 22, 2005
Homem de Mármore
Um longo fio de horas em pé, esperando por um Godot qualquer, confunde a silhueta estática com a rígida estátua vizinha.
terça-feira, setembro 20, 2005
Palavras Poderosas
Na franja do lençol, em caligrafia garatujada, uma pequenina bruxa enxota-nos os sonhos matinais.
segunda-feira, setembro 19, 2005
Borracha Urbana
Afundaram um automóvel de colecção num aquário seco de peixes com a mesma facilidade com que se risca uma palavra mal escrita em folha de papel.
sexta-feira, setembro 16, 2005
Impressões Digitais
“As suas mãos esguias, delicadas e nervosas fazem pensar no póquer ou na roleta,mas também em sapientes contactos com porcelanas, pergaminhos, instrumentos musicais, e com meias femininas, sedas, rendas e fechos duros de colares.”
(Fruttero & Lucentini)
(Fruttero & Lucentini)
Asas Sossegadas
No tapete de águas verdes, como se a realidade imitasse o mar plástico de Fellini, e perante a alheada atenção das casas vestidas de pijama, a gaivota empoleirada num mastro parecia meditar sobre Veneza.
quinta-feira, setembro 15, 2005
Luares
Curiosa como pupila infantil, a lua espreitava os pensamentos que andavam a passear pela varanda...
quarta-feira, setembro 14, 2005
Fantasia com Fiama
Embarquei um verso da Fiama num eléctrico com carris que pisavam uma lua feita de pautas e toda a hera que canta nos jardins.
domingo, agosto 28, 2005
sábado, agosto 27, 2005
sexta-feira, agosto 26, 2005
quinta-feira, agosto 25, 2005
Insónias Marinhas
Os lençóis da cor do mar agitam ondas de ideias, espumas de projectos, tempestades de pesadelo, até a exausta lua assentar, definitivamente, a bonança do sono.
quarta-feira, agosto 24, 2005
Brincos com Música
Nem uns brincos em forma de sax com som agrediriam tanto os tímpanos como os músicos daquele botequim.
terça-feira, agosto 23, 2005
Vagabundo Agrilhoado
Um avião com tamanho de fósforo voa quase cego em torno da lâmpada central. Faz de conta que a sua rota saltou da geografia para se anichar nos desejos adiados de um qualquer vagabundo agrilhoado...
segunda-feira, agosto 22, 2005
Vidros Quebrados
“Porque o deserto tem de tempo a areia entornada de milhões de ampulhetas partidas”
(Hermínio Monteiro)
(Hermínio Monteiro)
Tradição vs Tradução
O mar ficou com um horizonte difuso na tão matinal como vernácula névoa atlântica. Até parece que também se vão esfumando as palavras no seu incessante trânsito entre as línguas mortas, os dialectos moribundos e os idiomas triunfantes.
terça-feira, agosto 16, 2005
domingo, agosto 14, 2005
Cliché de Mestre
Esticado à sombra, apenas... Na pose daquele corpo feminino que Alvarez Bravo, ao conceber “La buena fama durmiendo”, deitou ao sol.
sábado, agosto 13, 2005
sexta-feira, agosto 12, 2005
Costumes em Desuso
“(...) um doutor lhe fez sua arenga costumada e os oficiais lhe apresentaram as chaves em um bacio de prata.”
(Gaspar Correia)
(Gaspar Correia)
Visões & Ilusões
Encostado ao fundo, qual veleiro sem âncora pintado numa parede, descortino o vulto antigo, como se Lawrence Ferlinghetti estivesse ali de atalaia à porta, a conferir os jovens decotes femininos, os hirsutos penteados dos rapazes, a garabulha de vozes que silencia telemóveis, a sucessão monótona das bebidas louras, a desordem das cadeiras...
quinta-feira, agosto 11, 2005
Antigos Ecos
Um sopro, um assobio, um chilreio – qualquer coisa me traz de volta a silvestre melodia...
quarta-feira, agosto 10, 2005
Olhares Míopes
No meio da algazarra, como se fosse um improviso de jazz, uma pupila vadia brilha mais que a lua nova.
terça-feira, agosto 09, 2005
Resquício de Conrad
“Mas trago notícias de como é que está no ‘coração das trevas’, nas fronteiras do vaivém, nos túneis da precaução, nas rotas da má lembrança, e da boa, também, se às vezes fecho os olhos e é o mesmo, o cheiro, e eu tinha então vinte anos e andava a ver se encontrava a ponta do meu fio, na meada.”
(Ruy Duarte de Carvalho)
(Ruy Duarte de Carvalho)
Absurdas Rimas
“As muçulmanas”, indagavam uns inocentes caracóis ao repararem na proliferação de cabelos escondidos e rostos velados, “são diferentes de nós, as humanas?”
segunda-feira, agosto 08, 2005
Misterioso Verde
“Os ambulantes transportam as suas cargas mágicas dos mais diversos objectos de vertu, desde os macios tapetes de Xiraz e do Balochistão até aos baralhos de cartas de Marselha; incenso de Hedjaz, contas verdes contra o mau-olhado, pentes, sementes, espelhos para gaiolas, especiarias, amuletos e leques de papel... a relação seria infinita [...].”
(Lawrence Durrell)
(Lawrence Durrell)
domingo, julho 17, 2005
Medievalices
“É uma época que, mais do que qualquer outra, nos aparece marcada pelas suas brancas roupagens de igrejas repletas de esculturas, mosaicos ou vitrais multicolores, ourivesarias cintilantes, livros coloridos com iluminuras, marfins esculpidos, enormes portas de bronze, esmaltes, pinturas murais, tapeçarias, bordados, tecidos de variadas cores e com desenhos singulares e quadros pintados em fundo de ouro.”
(Enrico Castelnuovo)
(Enrico Castelnuovo)
sábado, julho 16, 2005
sexta-feira, julho 15, 2005
quinta-feira, julho 14, 2005
Relógio Curto
Travar a ampulheta, ludibriar o calendário, inebriar a cronologia – tudo tarefas frustradas!
E, no entanto, escasseia sempre tempo para o labor, para o prazer, para a leitura, para a preguiça...
E, no entanto, escasseia sempre tempo para o labor, para o prazer, para a leitura, para a preguiça...
quarta-feira, julho 13, 2005
Foxtrot
As luzes mais louras quebram-se no rio pintado de escuro como se fossem palavras escritas com um qualquer dançante bâton transparente.
terça-feira, julho 12, 2005
Gralhas
As silhuetas das garrafas, as memórias das granadas, as vozes que ficam gravadas...
Tantas gravatas!
Tantas gravatas!
segunda-feira, julho 11, 2005
Distâncias
O clássico fio telefónico não sabe cantar sorrisos em pequenas pupilas ébrias de alegria.
segunda-feira, julho 04, 2005
Lento Horizonte
O navio que está a pisar o horizonte azul anuncia-se tão lento perante o nosso olhar como se, lá ao fundo, o comandante perseguisse, obstinado, qualquer preguiçosa tartaruga...
sexta-feira, julho 01, 2005
quarta-feira, junho 29, 2005
Livros Temperados
Num tempo de decotar fantasias, os dedos continuam ainda polvilhados com o pó dos livros...
terça-feira, junho 28, 2005
Infinitos
Os versos dos Homeros e os volumes dos Prousts que não lemos são sempre mais numerosos do que as ruas das Zagrebes e as águas das Benares que nunca pisámos com o olhar…
segunda-feira, junho 27, 2005
Pintar o Globo
Os daltónicos da vida gostam de pintalgar as voltas do mundo nos tons ingénuos com que costumam ser sarapintados os cavalinhos dos carrosséis de feira.
sábado, junho 25, 2005
Artifícios
Os pontilhistas da pirotecnia, em vez da mítica tela em branco, gostam mesmo é dos céus escuros. Talvez seja porque não usam tintas d’água – riscam com tons de fogo.
quinta-feira, junho 23, 2005
Maniqueísmo Cromático
O confronto de peões num tabuleiro de xadrez, o par do bule de leite e da chávena de café, um diálogo entre um vestido branco e um vestido preto.
quarta-feira, junho 22, 2005
Tango à Tarde
Na quietude da tarde quente, enquanto o raio de sol se espreguiça na madeira no jeito de quem a quer pintar de ouro, entra-nos um tango acordeonado pela janela, como se fosse uma visita de um mosquito com bigode à Gardel…
segunda-feira, junho 20, 2005
Vendaval Mínimo
A brisa boémia agita as penas das pombas, afugenta fragrâncias fortes, saltita nas saias das senhoras...
domingo, junho 19, 2005
Virgens & Unicórnios
Ao bebericar um distraído copo de leite, quando a remela ainda não abriu completamente a persiana que separa o sonho da manhã, a zombeteira imaginação da menina convence-a que a virgem capturou, de facto, um unicórnio.
sábado, junho 18, 2005
Divagações
Uma renda de espuma tricotada pelas ondas servia de cenário. Ali perto, uma cadeira de rodas dançaricava ao som de uma rabeca e, ligeiramente mais distante, um fino olhar de esmeralda furava as palavras dum gordo livro.
A pupila de Junho inventa cada tapeçaria d’imagens!...
A pupila de Junho inventa cada tapeçaria d’imagens!...
quinta-feira, junho 16, 2005
Palavras Ausentes
Muita gente tem o pretexto e domina o contexto. Só lhe falta mesmo é escrever o texto...
quarta-feira, junho 15, 2005
Stradivarius
Uma antiga lenda doméstica garantia que aquela medium,connosco aparentada pelo apelido do marido, sentada na muito vulgar sala da braseira perfumada a bagas de eucalipto e sempre agitada por netos pirralhos, conseguiu descrever cada variação, todos os aplausos do concerto do seu filho violinista, naquele preciso momento a exibir todo o seu virtuosismo num palco além-Alântico.
Fantasias telepáticas! Até porque, em herança, ninguém ficou com qualquer Stradivarius...
Fantasias telepáticas! Até porque, em herança, ninguém ficou com qualquer Stradivarius...
terça-feira, junho 14, 2005
Ninharias Nihilistas
Um farrapo de nada foi desfraldado ao vento - como se fosse uma colgadura pendente de qualquer nuvem vadia...
segunda-feira, junho 13, 2005
Genial Champanhe
“A experiência de uma tempestade no mar, até um imbecil não a esquece e sabe contá-la; mas para uma tempestade numa taça de champanhe, é preciso o génio de Proust.”
(Leonardo Sciascia)
(Leonardo Sciascia)
Heróis do Mar
Povo de marinheiros desempregados, já só brincamos com caravelas nas banheiras dos tê dois...
quinta-feira, junho 09, 2005
Visões & Versões
A palavra branco tem um sentido diferente para o pintor e para o físico, para o antropólogo e para o médico, para a lavadeira e para a noiva, para o versejador e para o jogador de lotaria.
quarta-feira, junho 08, 2005
Falsários Brilhos
Cego de sol em plena tarde, a mínima mica, qualquer lantejoula, uma singela escama, os cacos de vidro, uma vulgar fivela de farda – tudo me parece ouro!
domingo, junho 05, 2005
Mundo Venatório
Estendido o planisfério na esplanada – com um diletantismo idêntico ao da dama que adornou a lapela com três tartarugas de joalharia -, quantas ideias sobre a História se fisgam com anzol de pesca, quantos preconceitos em torno da Geografia se apanham com armadilhas para pássaros canoros.
O melhor, pois, é contar os proeminentes ventres femininos que vão percorrendo o passeio e denunciam, agora, as mais intimas noite da passada invernia. Há alguém por aí que coleccione gaiolas?...
O melhor, pois, é contar os proeminentes ventres femininos que vão percorrendo o passeio e denunciam, agora, as mais intimas noite da passada invernia. Há alguém por aí que coleccione gaiolas?...
sábado, junho 04, 2005
quinta-feira, junho 02, 2005
Risonho Mel
Os últimos dias do equinócio primaveril enchem as pupilas com um oiro que pinta as tardes demoradas, riscos que parecem hieróglifos ou runas na orla marinha, risonhos seios com seu mítico paladar a mel.
Chegou, pois, o tempo em que apetece arrumar casacos e contabilidades, panegíricos e cepticismos, tratados e moleskines.
Chegou, pois, o tempo em que apetece arrumar casacos e contabilidades, panegíricos e cepticismos, tratados e moleskines.
quarta-feira, junho 01, 2005
Manias do Séc. XII
“Às vezes, quem pediu um livro emprestado, empresta-o a outro, sem pedir autorização ao proprietário, e este empresta-o a um terceiro, de modo que o proprietário acaba por não saber a quem o há-de pedir e a cadeia de empréstimos vai-se alargando de tal maneira que ninguém responde já pessoalmente pelo livro que lhe foi emprestado.” Boaventura de Bagnoregio
terça-feira, maio 31, 2005
Relojoarias
Sem se perceber a causa, o motivo, a razão, de quando em vez a nossa clepsidra deixa de estar certa com a ampulheta do Mundo.
segunda-feira, maio 30, 2005
Mania das Letras
Os fazedores daqueles hieróglifos tão belos como Cleópatra ou Nefertiti, os lapidadores que deixaram textos de pedra em todo o sítio conquistado por César e demais romanos, as capitulares carolíngias dos monges das iluminuras, a arte de escrever que os cultores do Corão espalharam de Córdoba a Samarcanda, os caracteres dos inventores do papel e da bússola e do fogo-de-artifício, o cuidado com as serifas tido por Garamond & Bodoni & demais sucessores de Gutemberg, as folhas longas dos guarda-livros lusitanos do século passado....
Quem se lembra da arte da caligrafia?
Quem se lembra da arte da caligrafia?
sexta-feira, maio 27, 2005
Amnésias
As barbatanas douradas, escarlates, listradas – mesmo se ainda saudosas do Índico ou de outros mares tépidos que o aquário apenas imita vagamente – já não sabem estranhar o cinza da manhã, o borrifar da morrinha, o passeio dos guarda-chuvas.
quarta-feira, maio 25, 2005
Branco & negro
O avião deixou um risco de giz no firmamento azul. O petiz riscou um aeroplano no quadro preto.
Adoram ambos desenhar...
Adoram ambos desenhar...
domingo, maio 22, 2005
Equívocos
Bagas de iodo, escamas nas dunas, pérolas de robalo, camarinhas em ostras...
Perturbante maresia!
Perturbante maresia!
sexta-feira, maio 20, 2005
Melomanias
Uma desgarrada de arrais ou araras; um coro de arlequins ou querubins. Cada tímpano, sua melopeia.
quinta-feira, maio 19, 2005
Evasões
Gôndolas e matrioskas em papel couché; frases de Conrad ou London; posters do Machu Pichu e do Taj Mahal; estranhas palavras como Antioquia ou Ushuaia; as rotas de Marco Polo e Serpa Pinto; a escala das plantas de Anchorage ou de Samarcanda...
E nunca mais chega o tempo dos búzios e dos balões no horizonte!
E nunca mais chega o tempo dos búzios e dos balões no horizonte!
quarta-feira, maio 18, 2005
Lavores
Quando a massa cinzenta parece um novelo de lã enrodilhado por gato brincalhão torna-se difícil tricotar uma nova ideia.
terça-feira, maio 17, 2005
domingo, maio 15, 2005
Filosofantil
E se, de repente, percebemos que estamos a argumentar com um Kant de sete anos? Aumentamos-lhe a idade ou voltamos a dormir?
sexta-feira, maio 13, 2005
quinta-feira, maio 12, 2005
quarta-feira, maio 11, 2005
Poeiras
Um sorriso de momento ou de menina ou de memória paira no ar do dia e da cidade – como se a marota brisa matinal tivesse arrastado pétalas de papoilas, brincos de cerejas, bandeiras vermelhas, semáforos proibidos e lábios escarlates.
domingo, maio 08, 2005
sábado, maio 07, 2005
sexta-feira, abril 29, 2005
Antípodas
"(...) os velhos lacadores da China têm mãos vermelhas nos seus juncos de madeira preta; e as grandes barcas da Holanda perfumam-se de girassol.”
(Saint-John Perse)
(Saint-John Perse)
Mudez
O velho ancião devia ter deixado o conselho, para juntar àquele seu adagiário particular: devemos dar tanta atenção às conversas dos taxistas, aos descontos dos caixeiros viajantes, às revelações dos pregadores religiosos como a um ruidoso rádio de taberna, à voz de barítono de qualquer ébrio, a um tumultuoso altifalante de feira, a uma entusiasmada arenga de comício.
quinta-feira, abril 28, 2005
Geometrias
Aquela pomba, num voo bastante insensato, descreveu um arco perfeito no nariz do veloz autocarro.
domingo, abril 24, 2005
sábado, abril 23, 2005
sexta-feira, abril 22, 2005
Miragem
Asas de pássaros sobrevoam a profana cúpula envidraçada. Como se fossem querubins a pairar sobre o zimbório de catedral...
quinta-feira, abril 21, 2005
quarta-feira, abril 20, 2005
terça-feira, abril 19, 2005
Destinos
Os passos ainda não dados toldam-nos a razão, inventando mapas e bússolas, em que a agulha magnética tanto aponta para o Hermitage como para o Taj Mahal e a escala cartográfica aumenta o tango em El Viejo Almacén ou a estrada para o templo de Carnac...
Afinal, também nunca leremos todos os livros indispensáveis.
Afinal, também nunca leremos todos os livros indispensáveis.
segunda-feira, abril 18, 2005
In-folios
"O seu interior mal iluminado, escuro e solene estava impregnado de um forte cheiro a laca, de cores, incenso, aromas de terras distantes, mercadorias raras. Lá se encontravam fogos-de-bengala, caixas mágicas, selos de países que já não existiam há muito tempo, estampas chinesas, anil, colofónia de Malabar, ovos de aves exóticas, papagaios e tucanos, salamandras e basiliscos, raízes de mandrágora, caixas de música de Nuremberga, homúnculos dentro de garrafas, microscópios e óculos, sobretudo livros raros e muito especiais, velhos in-folios cheios de gravuras maravilhosas e fascinantes histórias."
(Bruno Schulz)
(Bruno Schulz)
Contas
Do ábaco ao computador, do sestércio ao cêntimo, o acto de contar moedas altera sempre a expressão de quem o faz: um sorriso nos Patinhas e Rockefellers; a angústia de um personagem de Sttau Monteiro; lágrimas secas no rosto de quem não conhece notas de valor nem natas em creme!
sexta-feira, abril 08, 2005
Pulipa
Na risonha pupila de um bebé reflecte-se um passeio inteiro: pérolas de montra, pechisbeque em caracteres chineses, jornais no escaparate, estendal de fruta, bata d'escola, nódoa em fato macaco, decotes de lantejoulas, crucifixos no interregno papal, lentes escuras contra o sol, adiposidades que a moda salienta, árvores pouco frondosas, penas de pomba, cartazes de procissão, folhetos de rave, paredes que dão dinheiro, varandas rendilhadas, tabiques d'obras, fumos d'escapes, perfumes almiscarados, odor a café moído, lixo que ofende narinas, nacos de conversas ocas, gargalhadas estrídulas, Vivaldi em versão telemóvel, as raras elegâncias, os imensos ridículos.
Um dia, pupila mais crescida, pode ler tudo sobre estes tempos nas páginas do Lobo Antunes...
Um dia, pupila mais crescida, pode ler tudo sobre estes tempos nas páginas do Lobo Antunes...
terça-feira, abril 05, 2005
Ampulhetas
Escoa-se a areia, esvai-se o tempo, esgota-se a paciência, estiolam as ideias, estremece o coração, empalidece a beleza...
A ampulheta é carrasca da juventude!
A ampulheta é carrasca da juventude!
segunda-feira, abril 04, 2005
Diásporas
As palavras que ecoam eternamente nos búzios – quais metafóricas campânulas das grafonolas da memória ou veros auscultadores deste tempo cibernético – são vozes herdeiras de avoengos. Dos que zarparam em orgulhosas nozes com velas benzidas para conquistar mapas ignorados; dos que embarcaram em paquetes que distinguiam os beliches com piolhos das camas para violinos.
sexta-feira, abril 01, 2005
Bruscamente
Mãos bruscas no folhear desfazem, num ápice, a frágil arquitectura de papel em que se ergue diariamente um jornal. Esses dedos desajeitados saberão cuidar de pétalas de malmequer, afagar o fugaz sorriso de bebé ou relacionar-se com qualquer outra metáfora de porcelana?
quinta-feira, março 31, 2005
Matinal
Uma poalha d'ouro pela manhã - percebe-se mal se descerra a persiana - desfaz os sorrisos muito nublados.
quarta-feira, março 30, 2005
domingo, março 27, 2005
Circunferências
Nas cartas de marear, no esquisso arquitectónico, nas pautas de música, na simbologia maçónica, na tradição pascal - a ponta seca ou a tinta da China, jamais me entendi com o compasso.
Dificuldades com a circunferência...
sábado, março 26, 2005
Obsessões
Guarda-chuva fechado e lupa em riste, o daltónico procurava o arco-íris numa gota de chuva.
sexta-feira, março 25, 2005
Ventos
A brisa arrasta perfumes de dama, pétalas de jardim, folhas soltas. O furacão varre ideias, ícones, ilusões.
O tempo está ventoso!
O tempo está ventoso!
quinta-feira, março 24, 2005
Ovologias
Alinhados em prateleiras, com cuidados de bibliófilo ou requintes de filatelista: o ovo miudinho da codorniz, o ovo enorme da avestruz, ovos pintados na tradição magiar, ovos moles da doçaria, o ovo síntese da escultura de Brancusi, ovos das antigas cosmogonias, o bergmaniano ovo da serpente.
E, também, ovos com coelhinhos...
E, também, ovos com coelhinhos...
quarta-feira, março 23, 2005
Canela
E se a Via Láctea, de súbito, fosse polvilhada de canela? Adoçava-se o sono, extirpavam-se os monstros infantis, retirava-se a palavra pesadelo dos dicionários?
Devia consultar um astrónomo-doceiro...
Devia consultar um astrónomo-doceiro...
terça-feira, março 22, 2005
Equinócio
O equinócio de Março, ao enterrar o entrudo invernoso, venteia os pólens e erotiza as epidermes.
sábado, março 19, 2005
Minutos
Ao desembrulharmos uma viagem, num simples vaguear de passos, em acasos de fortuna ou azar, podemos rever rostos durante décadas cegos no quotidiano das pupilas. Enrugámos faces e prateámos fios de cabelo. Mas nada que se compare ao ritmo rimbaudiano: o poeta, em carta dirigida a sua mãe, dizia sentir-se bem, “mas embranquece-me um cabelo por minuto”...
quarta-feira, março 16, 2005
Régua
Entre o oito e o oitenta há o trinta e nove. E, no entanto, é tão difícil atingir o imaginário equilíbrio desse número como conseguir que algum antropólogo nos apresente o verdadeiro homem-padrão - de altura normal, com o bom senso comum e uma cultura média.
sexta-feira, março 11, 2005
Mini-Callas
“Uma fila de camelos, aparentemente sem condutor, atravessava a ponte, seguida pouco depois por uma carroça puxada por um burro transportando uma assembleia de carpideiras a caminho de um enterro, com as faces lutuosas pintadas de azul. De tempos a tempos, uma delas entregava-se a uma série de breves lamentações, tal qual uma cantora a exercitar a voz antes de entrar em cena.”
(Albert Cossery)
(Albert Cossery)
Dúvidas
J. S. Bach temperava o cravo com canela ou com paprika? E, atendendo ao gosto botânico dos melómanos da época, por que motivo nunca compôs sonatas para tulipa e violino?
quinta-feira, março 10, 2005
Securas
Tão gretada como um velho rosto enrugado, mais desesperada por bebida que a Parda vicentina, não consegue silabar, em lamúria moribunda ou revoltoso grito, a sua imensa sede.
A terra está seca!
A terra está seca!
quarta-feira, março 09, 2005
Diapasão
Qualquer murmúrio miudinho, se bem empurrado pelo vento das vozes, depressa se transforma em estrídulo clangor.
terça-feira, março 08, 2005
Estendal
“Sedas cintilantes das Índias, máquinas de costura do Japão, canetas americanas, tapetes persas, perfumes franceses, cigarros turcos, couros da Abissínia, véus de Cachemira, âmbar do Báltico, cutelaria da Suécia, conservas portuguesas... estão dispostos com grande cuidado nestas pequenas lojas onde não podemos manter-nos de pé e os obesos não são admitidos.”
(Philippe Soupault)
(Philippe Soupault)
Veludos
Nas caligrafias esquecidas de noites ébrias, havia um gato negro, que jamais abandonava as casas de veludo, sempre a ronronar na epiderme de qualquer musa nórdica.
Lunática imaginação.
Lunática imaginação.
segunda-feira, março 07, 2005
Domingais
Um dinossauro de borracha esverdeada destronou os clássicos espantalhos de palha, um catraio que ajoelhou o riso parece rezar no meio das rosas, o jardineiro que trata o coração do pomar doméstico passeia entre as copas com gravata de missa.
Domingo d'absurdos!
Domingo d'absurdos!
sexta-feira, março 04, 2005
Fiat lux
Egos iluminados, estrelas da profissão, espíritos brilhantes... Tanto escritório que podia poupar em lâmpadas!
quinta-feira, março 03, 2005
Comas
"O vulcão que, nesse dia, estava de humor complacente, fumava tranquilamente o seu cachimbo [...]."
Théophile Gautier
Théophile Gautier
Daltonismo
Quando nos confrontamos, numa esquina de cidade ou num beco de pensamento, com memórias tão antigas como retratos em sépia, parece que voltamos a galopar no pardo verde de um olhar sereno.
quarta-feira, março 02, 2005
Atmosferas
Nem este risonho sol gelado é capaz de fazer esquecer uma noite de lençóis solitários em que parecia mesmo que se estava a dormir num frigorífico.
domingo, fevereiro 27, 2005
Labirintos
Num vulgar dédalo de ideias, nenhum tigre borgesiano, nem sequer um bichano de poltrona...
Genesis II
Se - essas irritantes duas letras que tanta diferença fazem... - não tivesse o apoio de um engenheiro, não haveria luz em nenhum farol longínquo.